quarta-feira, 29 de junho de 2011

História do Apóstolo Simão Zelote (doze Homens e uma missão)

Imagem cedida por: http://prsjoseeadri.wordpress.com/pr-jose-artigo-1/colunas-da-igreja-homens-dos-quais-o-mundo-nao-era-digno/simao-o-zelote/

Simão Zelote
"Pregou a Cristo através de toda Mauritânia e África Me­nor. Foi, por fim, crucificado, dilacerado e enterrado na Britânia."
Doroteu, Bispo de Tiro

Simão Zelote figura entre os discípulos sobre cuja vida e obra mui­to pouco (ou quase nada) se sabe, além das especulações ou supo­sições históricas traçadas dezenas ou mesmo centenas de anos após sua morte.
Não obstante o silêncio do Novo Testamento sobre seus feitos como apóstolo, a tradição cristã subseqüente deixou alguns rastros que podem es­clarecer — pelo menos em parte —suas jornadas missionárias, particularmente no período pós-bíblico.
Existem, como veremos a seguir, outros aspectos enigmáticos a serem desvendados acerca desse discípulo, antes de nos ocuparmos com suas prová­veis ações missionárias.
Simão e a variante Simeão significam, originalmente, "ouvindo" ou "aquele que ouve". O nome parece ter sido bastante comum entre os judeus. A prova disso está no número de seus homônimos que encontramos ao longo do Novo Testamento.
- Simão, irmão de Jesus (Mt 13-55, Mc 6.3)
- Simão Cireneu (Mt 27.32, Mc 15.21, Lc 23.26)
- Simão Leproso (Mt 26.6, Mc 14.3)
- Simão Mago (At 8: 9)
- Simão Barjonas (Pedro) (Mt 10.4)
- Simão Fariseu (Lc 7.40)
- Simeão, um certo ancião piedoso (Lc 2.25)
- Simeão, um nome na genealogia de Jesus (Lc 3.30)
- Simão, pai de Judas Iscariotes (Jo 6.71, 13.2)
- Simeão, chamado Niger, profeta de Antioquia (At 13.1)

A obscura origem de Simão Zelote
Nem mesmo as mais antigas lendas cristãs se aventuraram a detalhar as origens de Simão Zelote. Uma delas, contudo, narra que o apóstolo, em sua infância, estava entre os pastores aos quais foi dirigida a anunciação do nascimento de Jesus por um anjo, nos arrabaldes de Belém (Lc 2.8-20).
As Escrituras Sagradas infelizmente não foram generosas quanto aos detalhes biográficos de Simão. As descrições do rol apostólico (Mt 10.2-4, Mc 3-16-19, Lc 6.13-16 e At 1.13) encerram tudo o que sabemos, biblica-mente, acerca de Simão.
O teólogo e historiador Nicéforo, que se tornou Patriarca de Constantinopla em 806 A.D., afirma (embora sem apresentar provas con­vincentes) que o apóstolo era proveniente da pequena Cana da Galiléia, cidade que se tornou o marco inicial dos sinais miraculosos operados por Jesus (Jo 2.11). Pelo relato joanino anterior ao evento das bodas de Cana (Jo 2.1-13), pode-se inferir que, até então, apenas João, André, Pedro, Filipe e Bartolomeu (ou Natanael) haviam se tornado discípulos de Cristo. Se Nicéforo estiver correto, Simão Zelote, como morador do pequeno vilarejo, pode ter sido um dos convidados àquela festa nupcial, durante a qual teria testemunhado o milagre, vindo a contar-se entre os creram e seguiram a Jesus.
Ao contrário de Nicéforo, o texto apócrifo do Evangelho dos Ebionitas, também conhecido como O Evangelho dos Doze Apóstolos (séc. II), propõe que Simão Zelote teria recebido o chamamento do Senhor ao lado de Pedro, André, Tiago e João (Mt 4.18-22), junto às margens do Mar da Galiléia. Se assim for, teremos em Simão provavelmente mais um pescador no rol dos doze discípulos. De qualquer modo, por razões que fogem ao nosso conhe­cimento, devemos reconhecer que o momento da vocação de Simão Zelote, ao contrário do ocorrido com alguns outros discípulos, não foi objeto de atenção dos evangelistas.
Algumas traduções inglesas da Bíblia como, por exemplo, a KingJames Version, em Mt 10.4 e Mc 3.18, referem-se a Simão como Cananita, do grego kanaios, termo derivado não de Canaã como a princípio pode-se presumir, mas do aramaico Qannâ, que significa ciúmes, zelo excessivo. Lucas, ao contrário de Mateus e Marcos, prefere chamá-lo pelo sinô­nimo zelote (Lc 6.15), com o qual o apóstolo é freqüentemente identificado.
A emprego do termo grego zelotes (zeloso, ardoroso, fervoroso), ou mesmo de seu equi­valente kanaios, no que se refere às origens do apóstolo, implica em pelo menos três possibi­lidades.
1. Seu zelo e devoção pela tradição judaica;
2.  Seu ardor como aprendiz de Cristo;
3. Sua participação ativa no partido radical de resistência dos zelotes.
A conjugação da primeira e terceira hipó­tese nos parece razoável uma vez que, via de regra, todo zelote — como veremos a seguir — era um judeu cujo ardor religioso verdadeira­mente beirava os limites da insensatez. A se­gunda hipótese se apresenta pouco provável, sobretudo pelo silêncio dedicado ao apóstolo no universo do Novo Testamento. Basta-nos considerar, por exemplo, o destaque que se­melhante fervor conferiu a apóstolos como Pedro e João, dentro das Escrituras.
Sem embargo, a maioria absoluta dos estu­diosos de biografia apostólica crê que Simão fora, por algum tempo, um participante ativo do mo­vimento de resistência armada dos zelotes. Em fidelidade a esses pesquisadores e à longa tradição crista, adotaremos também essa possibilidade em nossa análise subseqüente da carreira de Simão.
Mas, afinal, quem eram e o que pretendiam esses revoltosos chamados zelotes? Até que ponto teria uma passagem por esse segmento político-religioso judaico influenciado o pensamento do futuro apóstolo de Cristo? A car­reira desses revolucionários, que se abrilhantou com elementos de bravura e grande fervor nacionalista raramente assemelhados na História, teve seus ide­ais conduzidos pela coragem ímpar de homens que se dispunham a resgatar com o próprio sangue a liberdade de seu povo. Simão possivelmente esteve entre eles.
Uma breve olhadela nos rastros que os zelotes imprimiram na História nos conferirá uma idéia aproximada da ideologia que, por algum tempo, marcou a vida desse discípulo de Cristo.

Violência e morte na saga dos zelotes
Dentre todos os povos dominados pelos romanos, certamente os judeus estavam entre os mais insurretos. Dia a dia se elevavam os ânimos contra Roma e seus cúmplices, os herodianos, os quais controlavam politicamente parte da Palestina.
Devido à aversão ao politeísmo e às demais práticas típicas da cultura paga, os judeus rejeitaram qualquer afinidade com a política da Pax Romana que incluía, entre outras coisas, o sincretismo com a religião dos povos dominados.
Pelo que parece, a história dos zelotes começa com uma rebelião ocorri­da na Galiléia e liderada por Judas, o Galileu (At 5.36-37), que se insurgira contra o recenseamento efetuado pelos romanos nos dias anteriores ao nas­cimento de Jesus.
Em face do turbulento panorama social reinante na Palestina, os zelotes emergiram como o mais significativo movimento de resistência judaico, embora jamais tenham ostentado uma unidade político-militar que pudes­se concretizar seus ousados objetivos. A diversidade dos rebeldes judeus aos quais chamamos zelotes incluía algumas facções terrivelmente cruéis como a dos sicarii. Segundo alguns pesquisadores modernos, os sicarii formavam uma ala ultra radical de zelotes que transformaram no objeto maior de seu ódio não os invasores romanos propriamente ditos, mas aqueles dentre seus compatriotas suspeitos de os servirem. Embora não se possa comprovar, é possível que o punhal dos sicarii nunca tenha derramado sangue romano, uma vez que estava muito ocupado na extinção dos traidores judeus.
Transbordante de ódio pelos romanos, em função do assassínio de seu avô, seu pai e dois de seus irmãos, Menahen Bar-Judá liderou os sicarii na esperança de aniquilar os traidores, expulsar os invasores e tornar-se o Messias de Israel. O ex-líder zelote e historiador Flavius Josefo, em sua Guerras dos Judeus, deixou para a posteridade uma imagem pouco convidativa deste homem.

"Menahen tornou-se terrivelmente cruel e como pensava não ter com quem disputar a liderança, agia como um insuportável tirano."

Ao ordenar a execução do sumo sacerdote, a quem acusava de colabora­ção com os romanos, Menahen Bar-Judá atraiu para si a hostilidade de outro personagem que doravante marcaria a história dos zelotes: Eleazar, filho do religioso assassinado e oficial do templo em Jerusalém. Este, reu­nindo os sacerdotes, conseguiu a captura e a execução pública de Menahen. Aos fiéis seguidores de Menahen coube apenas a fuga e a continuidade da resistência na quase inexpugnável fortaleza de Masada, às margens do Mar Morto, sobre o que nos deteremos mais adiante. Com a morte de Menahen estava terminado o capítulo inicial da história dos zelotes, que nos seis anos subseqüentes ainda banhariam o solo árido da Galiléia e da Judéia com o sangue de quase meio milhão de vidas.
Crê-se que os zelotes, em sua busca frenética pela restauração nacional, se inspiraram no movimento de libertação liderado por Judas Macabeu que, duzentos anos antes, libertara Israel do domínio sírio de Antíoco Epífanes. Freqüentemente armados com um punhal debaixo do manto e motivados por um ódio inominável aos romanos, os zelotes demonstraram uma devoção quase doentia ao praticarem atos de sabotagem e assassinato.
A citada falta de homogeneidade e organização militar desses rebeldes não impediu que, uma vez agrupados em células espalhadas por toda a Palestina, se fizessem conhecer rapidamente, nos dias de Herodes Magno e de seu ímpio filho Arquelau, após alguns incidentes ocorridos na Judéia. A partir daí, o movimento avultou-se, vindo a se tornar o ponto de conver­gência dos judeus fanáticos e desgostosos com a dominação estrangeira, cujo número se multiplicava dia após dia.
A ocasião propícia para a deflagração da guerra contra os romanos acon­teceu em maio de 66 A.D., quando o procurador Floro, ao exigir dois talentos de ouro do tesouro do templo de Jerusalém como tributo, fora ridicularizado pelos sacerdotes judeus. O castigo humilhante a que foram submetidos aqueles líderes religiosos fez com que Eleazar, filho do sumo sacerdote morto por Menahen e oficial do templo, promulgasse o que Roma considerava nada menos que uma decretação de independência: o cancela­mento do culto a César!
A explosão de violência que se seguiu a esses acontecimentos levou o povo, liderado pelos zelotes, a tomar Jerusalém e declarar sua ruptura com Roma. Naquele mesmo ano, Cestius Galo, governador da Síria, tentou debalde reconquistar a cidade, sendo entretanto banido pelos rebeldes. Essa inexplicável retirada das tropas de Cestius e o rápido contra-ataque dos zelotes, que se lan­çaram ao seu encalço, propiciaram a oportunidade ideal para os judeus cristãos — já profeticamente alertados (Lc 21.20-22) — deixarem a cidade e se dirigirem para um lugar distante do palco de batalhas. Segundo alguns autores, a cidade de Pela, do outro lado do Jordão, na Peréia, foi um dos principais centros de convergência de cristãos retirantes, durante o cerco de Jerusalém. Por isso, crê-se que muito poucos cristãos tenham morrido no sufocamento da revolta zelote e na conseqüente destruição da cidade santa pelos romanos em 70 A.D.
Jerusalém, todavia, não sucumbiu sem que antes os zelotes escrevessem nas páginas da história seu testemunho de coragem e determinação, frente a um inimigo muito mais poderoso e capacitado. Vejamos rapidamente como isso se sucedeu.
Nas mãos do já consagrado Vespasiano e de seu filho Tito, a contra-ofensiva romana aos zelotes começou quando a revolta ainda se concentra­va na Galiléia, com a assolação de seus mais de duzentos pequenos povoados. Lideradas pelo controvertido Josefo — que, dizem, não aprovava a revolta — as forças rebeldes em Jotapata se rendem aos legionários após cinqüenta dias de cerco. Gamala, no alto das colinas de Golã, resiste sete meses, mas também sucumbe e presencia grande parte de seus cinco mil habitantes perecerem no confronto. Segundo Josefo, teriam se suicidado saltando dos penhascos ao verem a irremediável aproximação das tropas de Vespasiano.
Com a queda de Safed, Jotapata e Gamala em 66-67 A.D., os romanos retomam o controle da Galiléia e dirigem suas legiões para o sul em direção a Jerusalém, ainda ocupada por forças rebeldes.
Vendo-se sozinho e temendo por sua vida, Josefo entrega-se aos roma­nos, numa atitude absolutamente imprópria aos verdadeiros zelotes. Como a simples rendição não era garantia de que seria poupado, Josefo apresenta-se como possuidor de poderes sobrenaturais e prediz a subida de Vespasiano ao trono imperial, o que de fato se sucede pouco mais de um ano depois. Atraindo, assim, a admiração e a confiança do futuro César, Josefo garante para si um porvir repleto de conforto e tranqüilidade, longe dos tumultos que freqüentemente sacudiam a Judéia. Na casa de Vepasiano em Roma, para onde se mudou posteriormente, o historiador judeu, embora tenha pres­tado grande benefício a posteridade ao compor suas obras literárias, tornou-se um bajulador dos césares e acabou despindo-se dos últimos vestígios da personalidade de um líder zelote.
Na primavera de 70 A.D., Tito, filho de Vespasiano, comanda em dire­ção a Jerusalém suas legiões — entre as quais a temida Legio X fretensis — acompanhadas de cavalaria, tropas de sapadores e tropas auxiliares, num efetivo aproximado de oitenta mil homens.
Mesmo protegida por várias torres, fortalezas e invejáveis muralhas — dos tempos de Herodes Magno — a Jerusalém dos zelotes não se defenderia por muito tempo. Do lado de dentro das muralhas, a cidade, que fervilhava de gente oriunda das inúmeras peregrinações para a Páscoa, presenciava também as lutas entre os segmentos moderados e extremistas dos zelotes, numa evidência do estresse que dominava esses insurretos nessa longa jor­nada pela liberdade. Mortos e feridos já se amontoavam pelas ruas.
Os esforços de Tito no sentido de convencer os zelotes a se entregarem foram recebidos com risos de escárnio. Nem mesmo o pesado ataque de artilharia dos scorpiones que se seguiu trouxe os rebeldes à consciência de que uma tragédia sem precedentes se aproximava. Apertados por sobre o velho muro, os sitiados, comandados pelo moderado Simão Bar-Giora e pelo extremista João de Giscala, não demonstravam senão hostilidade e flagrante desprezo.
Como derradeiro esforço diplomático, Tito se valeu da influência de Josefo, destacando-o como mediador entre romanos e zelotes. Conduzido até os portões da cidade, o ex-líder galileu discursou inflamadamente, num apelo ao segmento mais radical dos zelotes, os quais lhe ouviam por sobre os muros da cidade. Embora contundentes e apaixonadas, suas palavras não lograram a rendição de uma única alma revoltosa.
Esgotadas as possibilidades diplomáticas, os combates recomeçaram, desta vez ainda mais encarniçados. A fome, dentro das muralhas, atingiu pata­mares insuportáveis. Os judeus que arriscavam a fuga eram imediatamente presos e crucificados ao tentarem cruzar os muros. O número desses desa­fortunados chegou a impressionante marca de quinhentos por dia!
A fim de bloquear as furtivas investidas daqueles que se lançaram, na escuridão da noite, para além das muralhas em busca de alguma provisão, Tito mandou isolar a cidade através de um circumvallatio. Esse imenso fosso que rodeou a cidade santa, somado as lutas entre as facções rivais dos zelotes, maximizou os horrores da fome, cujo espectro já assolava a população rebel­de há meses.
Notícias de canibalismo praticado pelos sitiados chegaram aos ouvidos dos romanos que, exasperados em seu furor contra os rebeldes, preparavam-se com maior afinco para o assalto final. Rumores de que trânsfugas levavam consigo parte do riquíssimo tesouro do templo, engolindo pedras preciosas e ouro, fizeram com que esses miseráveis fugitivos, uma vez capturados, fossem ime­diatamente mortos e dilacerados por legionários ávidos de riquezas. A heróica resistência zelote estava, finalmente, conhecendo seu limite.
Os avanços romanos continuaram e a fortaleza Antônia, ao lado do tem­plo, sucumbiu em meados de julho. Tito, numa tentativa de salvar da des­truição o magnífico santuário de Jerusalém, propôs mais uma vez a rendição aos insurgentes. Diante de uma nova negativa, o comandante romano acena para a ofensiva final à cidade santa. Embora lutando como possessos, os zelotes não puderam deter o massacre de miríades de seus compatriotas, assim como o incêndio e destruição daquele que foi, durante séculos, o âmago de sua fé e sentimento cívico.
Em agosto de 70 A.D., as legiões romanas fixaram suas insígnias no que restou do templo sagrado, oferecendo sacrifícios pagãos em seu interior. Em setembro caia o último foco de resistência, localizado na cidade alta e liderado pelo zelote extremista João de Giscala. Outrora encantadora, Jeru­salém achava-se agora arrasada e reduzida a escombros. De volta às mãos romanas, a cidade seria, nos anos seguintes, guarnecida por uma das mais temíveis máquinas de guerra de então: a décima legião Fretensis. Estava cumprido — pelo menos numa primeira instância — o terrível vaticínio de Jesus registrado em Mt 24.2.
Os números desse holocausto não são precisos. Segundo o historiador Tá­cito, havia na cidade durante o cerco seiscentas mil pessoas, grande parte das quais teria perecido de fome ou em combate. Outros comentaristas elevam esse número para cerca do dobro. No registro de Josefo algo em torno de noventa e sete mil homens teriam sido levados a Roma para serem comercializados como escravos ou apenas para "abrilhantar" os sangüinolentos espetáculos do Circo Máximo. Entre os capturados estavam duas das maiores expressões do movimento zelote: João de Giscala e Simão Bar-Giora.
Tão grande morticínio teria arrefecido os ânimos de muitos insurretos ao longo da história, quaisquer que fossem as causas de sua subversão. Porém, essa lógica não funcionava com os zelotes. Sua obstinação não se fez intimidar, nem mesmo diante da devastação de Jerusalém. Um remanescente deles, os violentos sicarii, liderados por Eliezer Ben Yair, refugiou-se na fortaleza de Masada, construída por Herodes Magno em 40 a.C, no cimo de um platô às margens do Mar Morto, de onde novamente desafiaram o poderio romano.
Mesmo apresentando uma infra-estrutura dotada de armazéns de víveres e uma gigantesca cisterna, além de uma posição estratégica invejável, Masada não foi suficiente para sustentar os sonhos de liberdade dos zelotes. Ameaça­dos pelo general Flavius Silva, que os cercara com a décima legião, e assola­dos pela fome, os rebeldes - inflamados por Ben Yair — decidiram, em abril de 73 A.D., pelo suicídio coletivo, ante a possibilidade de cair em mãos inimigas. Conta Josefo que, lançando sorte entre si, os zelotes escolheram dez varões cuja incumbência era a difícil tarefa de traspassar os outros quase novecentos compatriotas. Duas mulheres e cinco crianças, escondidas nos ar­mazéns, foram os únicos sobreviventes desse episódio que, por sua magnitu­de, despertou, mesmo nos romanos, um sentimento de admiração pela bravura com que seus protagonistas encararam a luta pela liberdade.
Episódios trágicos como estes tornaram-se constantes na carreira revolu­cionária dos zelotes e permearam seus anseios pela restauração da indepen­dência de Israel.
De fato, a saga dos zelotes pertence mais a história secular do que a narrativa das Escrituras Sagradas. Entretanto, é possível encontrar algum vestígio desses insurretos nas páginas bíblicas. Mesmo não o apresentando explicitamente como um zelote, as passagens de Mt 27.16, Mc 15.7, Lc 23.18 e Jo 18.40 revelam Barrabás como um rebelde preso e condenado por envolver-se num motim, no qual cometera um homicídio. Essa era, via de regra, uma ação tipicamente zelote, assim como a crucificação o invari­ável castigo romano para ela. É, portanto, digno de nota o fato de que foi um zelote o beneficiado direto da execução de Jesus.
Esse panorama histórico que resume a brutal trajetória dos zelotes foi proposto visando uma reflexão mais profunda sobre a herança ideológica que permeou o coração de um homem como Simão. Conquanto nosso apóstolo não tenha participado diretamente dos episódios supracitados, cer­to é que a intolerância política e o clamor pelo sangue do inimigo opressor — pelo menos durante algum tempo - fizeram parte de seu cotidiano.
Um passado marcado pela violência e brutalidade como, possivelmente, o vivenciado por Simão Zelote, nos convida à indagação: como um homem, membro de um partido de extremistas, se vê imbuído pelo forte desejo de tornar-se um seguidor de Jesus, dispondo-se a compartilhar sua vida com homens que — a exemplo de Mateus — personificavam muito daquilo contra o que cegamente lutava? De fato, a convivência de Simão com o ex-coletor tributário , cuja ignóbil estirpe o transformara num traidor nacional — mere­ce nossa atenção no que diz respeito à ação conciliadora de Jesus. Atento a esse detalhe, o pastor britânico John D. Jones comenta, com alguns acrésci­mos imaginários (op. cit, p.l 14-115):
"A presença de Simão Zelote, o feroz e indomável patriota, na lista dos apóstolos é uma bela ilustração do poder reconciliador de Jesus Cristo. Uma das marcas do reino de Cristo é exatamente a reconciliação. Isaías, antevendo este reino, revelou a solução de velhos antagonismos e a abolição das mais inveteradas inimizades. 'Morará o lobo com o cordei­ro' - escreveu ele em sua belíssima e poética linguagem -' e o leopardo com o cordeiro se deitará; o bezerro, o filho do leão e o animal cevado viverão juntos e um pequeno menino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos lado a lado se deitarão e o leão comerá palha com o boi. Brincará a criança de peito sobre a toca da áspide e o desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o monte da minha santidade...'(Is 11.6-9a). O vaticínio do profeta não constitui uma falsa visão. No reino de Cristo todas as porfias hão de ser abolidas.
Na primeira companhia de discípulos reunidos ao redor do Mestre, no próprio círculo de seus apóstolos, pode-se perceber o cumprimento desta profecia. Ali, vê-se o lobo habitando junto ao cordeiro, assim como o leopardo repousando junto à criança. Na lista dos doze, encontram-se os nomes de dois discípulos que outrora, sempre prontos para a luta, odiavam-se mutuamente com ódio feroz e amargo, até que Jesus, atraindo-os para Si, atraiu-os um ao outro. Estes dois homens eram Mateus, o publicano, e Simão, o zelote. O primeiro, agente pago pelo poder romano e o segundo, seu devoto adversário. Mateus, o covarde judeu, instrumento do opressor, e Simão, o turbulento e selvagem patriota. Simão e Mateus cresceram juntos e foram amigos nos dias de sua juven­tude. É possível que fossem aparentados. Entretanto, quando Mateus se veste com o uniforme romano, interrompe-se aquela amizade. A união transforma-se num ódio amargo. Simão considera Mateus um traidor e (...) vê-se pronto a afundar sua adaga no coração falso e traiçoeiro de Mateus. Se algum dia houve uma inimizade incorrigível e irreconciliável, esta foi a de Simão Zelote e do publicano Mateus.
Mas, aqui estão ambos, lado a lado, não mais estrangeiros, muito menos estranhos um ao outro, antes amigos e irmãos. Eis que Mateus e Simão foram reconciliados em Jesus Cristo."
Não devemos ignorar a possibilidade de que, inicialmente, Simão tenha se aproximado de Jesus motivado pela crença de que nEle se daria a perso­nificação do esperado "messias-herói", o libertador nacional que há muito se desenhara na mente de reacionários como os zelotes. Na inflexibilidade de seu raciocínio, seria uma mera questão de tempo para que o manso Nazareno subitamente se transformasse naquele por quem Israel há séculos suspirava. Simão ansiava pelo momento em que, empunhando com bravura a espada, Jesus se manifestaria como um estadista de inigualável coragem, a favor de quem Jeová, com sua irresistível intervenção, submeteria o império romano, restaurando aos judeus os esplendorosos tempos davídicos e salomônicos.
Se toda essa conjectura estiver próxima da realidade, devemos reconhecer que uma expectativa predominantemente política foi o fator decisivo que aproximou Simão Zelote de Jesus, embora não se deva descartar a presença de valores eminentemente espirituais nessa decisão.
Ainda que as inquietações de cunho sociopolítico tenham ditado, por muito tempo, os rumos na vida de Simão, poucos anos em companhia do Mestre, testemunhando sinais e prodígios sem precedentes, sempre permeados de ternura e misericórdia, foram suficientes para alterar a escala de valores deste idealista radical. Doutra sorte, como poderíamos imaginar um zelote tolerando seu mestre atender o rogo de um centurião romano para que sarasse seu servo, como vemos em Mt 8.5-13 e Lc 7.1-10?
De qualquer modo, se um entendimento mais amplo acerca do Messias só se estabeleceu no coração do apóstolo após a ascensão de Cristo ou du­rante o Pentecostes — como crêem alguns — temos em Simão um candidato a autoria da célebre pergunta de At 1.6, nos momentos que antecederam a subida de Jesus às alturas.

"...Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?"

A missão às Ilhas Britânicas
Embora divergentes quanto à extensão de seus esforços missionários, as tradições parecem concordar com o fato de que Simão se dispôs a um longo e dedicado ministério, que incluiu viagens missionárias a regiões dis­tantes como Egito, Cirenaica, Mauritânia, Líbia e, principalmente, as ilhas Britânicas.
Não são poucas as lendas que vinculam o ministério de vários dos grandes vultos apostólicos do primeiro século às ilhas Britânicas. Algumas delas, eviden­temente, não passam de meras fantasias, resultado de um esforço maculado pela falta de historicidade, voltado para a tentativa de vincular o surgimento de algumas igrejas a nomes apostólicos que lhe conferissem notoriedade. Outras, no entanto, são sustentadas por lampejos históricos que, embora pálidos, não po­dem de todo ser ignorados. Nomes como os de Simão Pedro, Paulo, José de Arimatéia e Simão Zelote são freqüentemente encontrados em documentos que relatam a tradição apostólica da Inglaterra do primeiro século.
A História não deixou registrada com precisão a chegada do evangelho às ilhas Britânicas, mas alguns indícios nos asseguram que a fé cristã ali aportou muito antes dos memoráveis esforços de Columba de lona e seus monges irlandeses e do enviado papal Agostinho, nos sécs. VI e VIL
Para alguns historiadores, na Britânia — assim como na Gália — a atuação dos soldados convertidos ao cristianismo, integrantes das legiões romanas ali estacionadas, foi decisiva na difusão do Evangelho de Cristo, especialmente porque o país era, então, um dos lugares de repouso preferidos dos legionários aposentados. O édito de Cláudio em 50A.D. (At 18.2), expulsando os judeus de Roma, também motivou muitos deles - entre os quais vários líderes cris­tãos — a se dirigirem às ilhas Britânicas em busca de refúgio.
Conta-se que, em 57A.D., a esposa do General Aulus Plautius, delegado de Cláudio para a administração da ilha, sofreu acusações de ser adepta de "costumes judaicos". Essa era uma expressão típica dos convertidos ao evan­gelho num tempo em que a fé cristã ainda não havia sido totalmente dissociada de seu berço judaico. Seria essa uma evidência de que o cristianismo tão cedo atingiu os escalões mais nobres da sociedade romana na Britânia?
Há indícios de presença cristã na Britânia também no terceiro século. A Acta Martyrum de Santo Albano relata a conversão e a execução desse nobre bretão, após hospedar um líder cristão foragido em sua casa durante a per­seguição de Diocleciano, que atingiu a Britânia em fins do séc. III. Santo Albano é apresentado em alguns textos como o primeiro mártir inglês.
No século seguinte, vemos registrada a presença de representantes da Igreja inglesa tanto no sínodo regional de Aries na Gália, em 314 A.D., como o primeiro concilio ecumênico, realizado em Nicéia, na Ásia Menor, em 325 A.D. O mesmo pode-se dizer dos concílios realizados a seguir, em Sárdica (342-3 A.D.) e Ariminum (359 A.D.).
Mas, se parece claro que a fé cristã chegou à Britânia no primeiro século, duas perguntas ainda merecem cuidadosa atenção: teria o Evangelho lá che­gado diretamente por mãos apostólicas? E ainda: esses pioneiros e seus segui­dores teriam encontrado naquela região condições adequadas para a disseminação da mensagem cristã? Em resposta a essas e outras questões, veremos a seguir, como a Inglaterra do período apostólico transformou-se no palco de importantes missões evangelísticas, entre as quais, possivel­mente, a de Simão Zelote.
Localizada no extremo norte do Império, a Britânia, como era conheci­da então, tornara-se notória por sua riqueza em diversos tipos de minerais, especialmente o chumbo, a prata e o estanho que, desde muitos séculos, comercializava com o continente. A menção profética de Ez 38.13 aTársis (Tarkisb ou Tartesus) faz alusão à cidade portuária espanhola de onde parti­am ostensivas rotas comerciais para as ilhas Britânicas em busca de mine­rais, aproximadamente meio milênio antes de Cristo.
Devemos ter em mente o fato de que a Europa chamada "bárbara" não era assim tão primitiva, como desejavam ilustrar os historiadores romanos. A França e a Espanha, por exemplo, já apresentavam cidades desenvolvidas ao tempo de Júlio César. O mesmo acontecia, embora em menor escala, com a Britânia. A arqueologia se incumbiu de provar que a Inglaterra do período pré-apostólico e apostólico estava muito mais próxima da Europa  e do Norte da África (culturalmente falando) do que podemos supor. O que dizer, por exemplo, dos pequenos artefatos egípcios encontrados nas cavernas de Wessex? Ou da adaga desenhada em uma das pedras do mo­numento de Stonehenge, de aparência idêntica às usadas na Grécia?
Os povos que habitavam a Inglaterra naqueles dias comparti­lhavam, em sua maioria, da cultura celta que, muito   ao contrário do que declara a história romana, nada tinha de bárbara ou primitiva. E possí­vel que o tétrico hábito cultivado pelos guerreiros celtas de lutarem nus e cortarem as cabeças de seus inimigos para ostentá-las como troféus tenha estimulado os romanos a classificá-los como brutos e selvagens.
Na verdade, o termo celta é empregado para denominar uma cultura mais do que uma raça ou um povo em particular. Os povos de cultura celta habitavam desde a península ibé­rica (os ibéricos) até o sul da Escandinávia (os teutões), passan­do por toda Europa central e ilhas Britânicas. Como fruto de uma cultura sobremodo criativa, os celtas foram responsáveis por al­gumas das mais belas artes do mundo antigo. Ademais, foram também os introdutores do ferro no norte da Europa, com o que iniciaram a produção de aros sem emenda para carroças. Pertence igualmente aos celtas a invenção das primeiras cotas de malha, das ferraduras, das relhas de arado, do sabão, da pedra de moer rotativa e do moinho movido a braço. As melhores bigas de guerra, segun­do o próprio Júlio César, eram de fabricação celta! Sua agricultura, considerada por alguns historiadores modernos como superior a dos roma­nos, teve sua produtividade maximizada pela introdução de elementos até então desconhecidos na Antigüidade, como os fertilizantes, a foice balance­ada, o arado de aiveca e a ceifadeira movida a mula, conhecida por vallus.
Embora profusos nas invenções a nas artes, os celtas - distantes que estavam de uma coesão política - nunca conseguiram formar grandes esta­dos unificados, apesar da fúria animalesca com que encaravam os campos de batalha. Este quadro de divisão interna viabilizou as campanhas de con­quista lançadas sobre eles pelos romanos, como vemos na Britânia dos dias neotestamentários.
Não obstante só ter sido definitivamente conquistada em 43 A.D. pelo imperador Cláudio, a Britânia há muito se familiarizara com os costumes romanos. Diz-se que os reinos bretões que se situavam ao sul da ilha, de certa forma, se sentiam atraídos pelo estilo romano de vida e manifestavam desejo de fazer parte do suntuoso império, a fim de desfrutar dos benefícios que supunham advir dele. Esta é a lógica com a qual muitos historiadores justifi­cam a rendição incondicional de onze reis e a conseqüente tomada da Britânia em apenas dezesseis dias, pelas legiões de Cláudio.
Desejada ou não pelos bretões, o fato é que, a invasão e a ocupação da Britânia tornou-a, em sua região meridional, predominantemente romana no que se refere ao padrão e estilo de vida.
A construção de estradas, fortificaçÕes e cidades como Londinium (Lon­dres), Eburacum (York), Verulamium (St. Albans) e Camulodunum (Colchester) trouxe consigo um afluxo crescente de romanos provenientes do continente, transformando as ilhas Britânicas num lugar atraente para aqueles se dedicavam à difusão do evangelho. Leonard Cottrell, em seu livro Seeing Roman Britain (p. 202), descreve as condições culturais da Britânia, sob regime romano, durante o segundo século do cristianismo.

" A vida era, basicamente, confortável e pacífica durante os tempos de Adriano e Antonino. O padrão cultural dos habitantes era, sem dúvida, pouco elevado, embora, tanto quanto nos revelam seus precários escritos até hoje preservados, podemos julgá-los majoritariamente instruídos e capazes de escrever em latim, conquanto não estivessem aptos a usar esse idioma habitualmente."

Mas muito sangue seria vertido antes que essa atmosfera de paz citada por Cottrell se instaurasse na Britânia dos séculos II e III. Uma das mais violentas rebeliões enfrentadas pelos conquistadores romanos foi a comandada pela rainha celta Boudica, na metade do primeiro século. Poucas vezes na história as legiões de César depararam com tamanha sede de vingança, transformada repentinamente numa fúria devastadora que sacudiu o poderio romano na Britânia. Esse incidente e alguns de seus detalhes nos são de particular interes­se, visto que se passaram no período em que, segundo algumas lendas, o apóstolo Simão Zelote pregava na região.
A insurreição de Boudica teve início com um erro diplomático de Roma diante da morte de Prasutagus, seu marido e rei de Norfolk, entre 60 e 61 A.D., durante o governo de Nero. Os reinos daquela região — embora já começassem a presenciar o destronamento de muitos de seus soberanos — juraram fidelidade a Roma, na esperança de atrair alguma riqueza oriunda dessa nova coalizão. Essa lógica talvez fizesse sentido nos dias de Cláudio, mas com a ascensão de Nero ao trono, os pactos comerciais do antigo impe­rador foram declarados extintos por Roma.
O equívoco final deu-se por mãos de Catus Decianus, o procurador local que decidiu enviar tropas para devastar o castelo da rainha viúva. Além de contemplar a destruição de seu patrimônio, Boudica presenciou o estupro de suas irmãs, antes de ser submetida ao terrível flagelum. Muitos do nobres do reino de Norfolk foram humilhados e vendidos como escravos pelos roma­nos. O caos instaurou-se por completo e a contrapartida foi a explosão de revolta dos nativos locais, os icenis. Num rápido contra-ataque, os icenis, sob liderança de Boudica, lançaram-se sobre os romanos em Grimsdyke, pulverizando suas tropas que, em vão, tentaram impedir a passagem dos rebeldes em direção sudoeste. Colchester caiu em seguida, embora contasse com o apoio de dois mil homens da poderosa nona legião. De seus compo­nentes, somente a cavalaria conseguiu escapar. Aparentemente, nada poderia deter a sede de vingança daqueles nativos que, agora, se dirigiam à região de população majoritariamente romana do sul da Britânia.
As horríveis notícias vindas de Norfolk e Cambridgeshire alvoroçaram o ânimo dos habitantes da pacata Londres. Fundada pelos romanos há menos de vinte anos, Londinium — como era chamada então - assim como sua vizinha St. Albans (Verulamiuni), ainda se encontrava desguarnecida de muralhas limítrofes, o que a tornava um alvo fácil para seus assaltantes. Desta forma, as tropas de Boudica, ao alcançarem a cidade, não tiveram dificuldades para, primeiramente, saqueá-la e, depois, incendiá-la completa­mente. Segundo o historiador Tácito, aproximadamente setenta mil pesso­as, entre civis e militares, pereceram na destruição de Londres e de sua circunvizinhança.
A onda de horror apocalíptica detonada por Boudica só encontrou limi­te com a chegada dos reforços liderados pelo General Suetônio, que massa­crou os rebeldes, reduzindo a pó grande parte da tribo iceni, da qual Boudica tornara-se a valente comandante. Com o suicídio por envenenamento da líder revoltosa, a Britânia voltaria a gozar de paz e prosperidade por um período de tempo relativamente longo.
Alguns relatos concordam que Simão Zelote encontrava-se em campa­nha na ilha durante o período do levante de Boudica. Dentre os que endos­sam essa tradição está Nicéforo, historiador bizantino e Patriarca de
Constantinopla (758-829 A.D.), que assim descreve a chegada do apóstolo à Britânia.

" Simão atingiu a Britânia durante o primeiro ano da guerra de Boudica, em 60 A.D., quando toda a ilha se encontrava convulsionada por uma profunda e exacerbada ira contra os romanos, a qual nunca encontrou paralelo durante os longos anos de conflito entre as duas nações. Tácito afirma que, entre 59 e 62 A.D., as brutalidades da guerra atingiram seu clímax. Atrocidades ocorriam de ambas as partes, embora do lado romano tenham sido viciosamente perpetradas - a ponto de chocar a própria Roma."

Diante da atmosfera de violência contagiante registrada por Nicéforo, a Britânia visitada por Simão tornara-se um lugar demasiadamente perigoso de ser evangelizado. George Jowett, em sua obra The Drama of the Lost Disciples (p. 159), comenta o desempenho do apóstolo em terras britânicas, naquele momento de caos e terror.

"Neste perigoso território Simão estava imerso no que lhe era peculiar. Tomado por infinita coragem, ele começa a apregoar o evangelho de Cristo em meio às regiões de domínio romano. Seus fervorosos sermões rapida­mente o levaram diante de Catus Decianus, porém não sem antes plantar a semente de Cristo nos corações dos bretões e de muitos romanos que, a despeito do persistente ódio de Decianus por tudo o que era cristão, man­tiveram o segredo da verdade devidamente guardado em seus corações."

De acordo com McBirnie, Simão Zelote atingiu a Britânia após provável campanha no norte da África e na Gália, onde se associou a doze outros voluntários na missão liderada pelo ex-fariseu José de Arimatéia (Jo 19.38) a Glastonbury, Inglaterra.
Se muitos historiadores reputam por fantasiosa a campanha de Arimatéia à Britânia, outros tantos têm se detido na análise cuidadosa dos pormenores dessa que é uma das mais fortes tradições cristãs da Inglaterra. George Jowett está entre os que crêem na procedência histórica da lenda de Glastonbury.

"No ano 60 A.D. é feita especial menção à jornada de José (de Arimatéia) à Gália, quando trouxe consigo uma leva de recrutas, entre cujos nomes se menciona particularmente o de Simão Zelote, um dos discípulos de Cristo. Esta é a segunda vez que se registra o fato de ter Filipe consagrado a José e sua equipe de colaboradores, previamente ao seu embarque para a Britânia. Provavelmente a inclusão de Simão Zelote indicasse um importante esforço missionário, por isso a consa­gração. Esta foi a segunda e última jornada de Simão Zelote à Britânia. De acordo com Hipólito e com o cardeal Baronius (ou Barônio), a primeira chegada de Simão às terras Britânicas deu-se em 44 A.D., durante as guerras de Cláudio."

McBirnie sugere uma data próxima a 50 A.D. para a chegada de Simão à Britânia, ou seja, alguns anos antes das perturbações sociais mencionadas an­teriormente. Se estiver correto, Simão Zelote dispôs de tempo suficiente para evangelizar o sul e o sudeste da ilha, então habitados majoritariamente por romanos. O trabalho do ex-zelote pode ter sido facilitado pela predo­minância do latim na região, idioma àquela altura já difundido entre os bretões e entre os missionários cristãos que se aventuraram através da meta­de ocidental do império.
Com o decreto do imperador Cláudio em 50 A.D., é possível que mui­tos dos judeus expulsos de Roma tenham se dirigido ao norte, rumo às Gálias e à Britânia. Uma colônia de refugiados judeus assentada na região seria, naturalmente, um dos alvos prioritários do apóstolo nessa campanha evangelística.
A presença de cristãos na Britânia nos três primeiros séculos pode real­mente ter sido resultado de esforços apostólicos, como os que a tradição atribui não só a Simão Zelote, mas também a Pedro, Paulo, José de Arimatéia, Aristóbulo e outros. De qualquer modo, esse cristianismo primitivo que, com o passar dos anos, foi agregando elementos celtas, desapareceu da Britânia a partir de 410 A.D., com a saída das legiões romanas e com a chegada das hordas invasoras anglo-saxãs. Mais tarde, as missões irlandesas estabelecidas por Columba na ilha de lona (563 A.D.) e o trabalho católico-romano iniciado por Agostinho de CanterburyemKent (597 A.D.) visa­ram justamente trazer à fé cristã os reinos dos saxões, que passaram a dominar a Britânia a partir do século V. Portanto, o cristianismo herdado do período apostólico já não mais deixava vestígios na Britânia do sexto século.
Os relatos que sustentam a presença de Simão na Inglaterra também re­gistram sua morte naquele país, sob ordem do procurador Catus Decianus, como veremos a seguir. Outras tradições, entretanto, afirmam que, com o aumento da tensão política na região, Simão abandonou a ilha, alguns anos antes da violenta devastação de Londres por Boudica, em cerca de 62 A.D., dirigindo-se de volta ao Oriente Médio, possivelmente à Mesopotâmia.

As contradições acerca de sua morte
Tanto quanto os detalhes de seu ministério, as circunstâncias e o local do martírio do ex-zelote estão distantes de qualquer comprovação histórica. Para Doroteu, bispo de Tiro - citado pelo Rev. R. W. Morgan em seu livro St
Paulin Britain (p.79) — foi na longínqua Britânia que o apóstolo coroou sua carreira ministerial:

"Simão Zelote atravessou toda Mauritânia e as regiões africanas anuncian­do a Cristo. Foi, por fim, crucificado, morto e enterrado na Britânia. Como a crucificação era uma penalidade tipicamente romana para escravos fora­gidos, desertores e rebeldes, era, portanto, desconhecida das leis britâni­cas. Assim, concluímos que Simão Zelote foi martirizado no leste da Britânia, talvez, como reza a tradição, nos arredores de Caistor, sob a jurisdição de Caius Decius (Catus Decianus), o oficial cujas atrocidades causaram a eclosão da Guerra de Boudica."

George Jowett compartilha da mesma opinião {op. cit, p. 158):

"A missão evangelística de Simão foi de curta duração. O apóstolo viu-se, por fim, preso sob ordens de Catus Decianus. Como de costume, seu julgamento foi um ato de escárnio. Assim, Simão foi condenado à morte e crucificado pelos romanos em Caistor, Lincolnshire, e lá mesmo enterrado em 10 de maio de 61 A.D."

A data e o local da morte do apóstolo citados por Jowett são confirmados pelo Cardeal Barônio, em seu Annales Ecclesiastici, assim como pelo menológio da Igreja Grega, que celebra 10 de maio como a data oficial do martírio de São Simão.
A principal dificuldade apresentada pelos relatos sobre o martírio de Simão na Britânia está na definição da localidade onde teria ocorrido. A atual cidade de Caistor, onde a tradição acredita ter se dado o suplício, está edificada sobre a antiga cidade romana de Venta Icenorum. A questão é que, em 61 A.D. - data tradicional da morte do apóstolo - Venta Icenorum ainda não havia sido erigida. O Dr. John Peterson, especialista da East Anglia University em colonização romana na região de Norfolk, opina que Venta Icenorum só foi construída em cerca de 70 A.D., alguns anos após o fim do levante de Boudica e a conseqüente pacificação da região pelos romanos. Não há, segundo Peterson, qualquer traço arqueológico que justifique a existência de alguma aldeia iceni no local anteriormente aos romanos.
Por outro lado, há que se considerar que a diferença entre a data lendária da morte de Simão (61 A.D.) e o surgimento de Venta Icenorum (70 A.D.) é tão pequena, historicamente se falando, que seria impróprio descartar os re­latos de seu martírio naquele local apenas por isso. Talvez o apóstolo tenha permanecido mais tempo na região do que calculam as lendas ou, ainda tal­vez, a construção de Venta Icenorum tenha se dado alguns anos antes do que pensam os estudiosos da atualidade. A prisão e execução de Simão em Venta é, portanto, mais um dos muitos mistérios apostólicos que aguardam escla­recimento pelas pás da arqueologia.
A alternativa oferecida pelas tradições para o martírio do apóstolo encontra-se a milhares de quilômetros da Inglaterra, no Oriente Mé­dio, para onde Simão Zelote teria partido após avistar as negras nuvens da revolução no horizonte britânico. Segundo tais relatos, Simão, dei­xando prudentemente a ilha, navegou em direção ao oriente, onde se associou a Judas Tadeu na evangelização local. A dupla apostólica, atra­vessando a Mesopotâmia, atingiu lugares distantes da antiga Pérsia anun­ciando a Cristo. Ali, por fim, o ex-zelote teria conhecido o martírio após negar-se a adorar o deus Sol, cultuado pelos nativos que tencionava evangelizar.
Acerca do fim de ambos apóstolos na Mesopotâmia, Mary Sharp complementa (A Travellers Guide to Saints in Europe, p. 198):

"Diz-se que ambos pregaram juntos através da Síria e Mesopotâmia, ten­do se deslocado até a distante Pérsia e que sofreram martírio, sendo Si­mão serrado ao meio e Judas Tadeu atingido por uma alabarda."

As lendas que falam de Judas Tadeu na Armênia entre 43 e 66 A.D. são muito significativas. Para alguns, sua campanha missionária na região, ao lado de Simão Zelote, não se realizou senão em fins da década de sessenta ou - no mais tardar - começo de setenta, o que se encaixaria perfeitamente com a partida de Simão da Inglaterra, por volta de 60 A.D.

Os restos mortais de Simão Zelote
A tradição apostólica da Igreja Católica sustenta que as relíquias de Simão e Judas Tadeu estão depositadas juntas em uma das tumbas da Catedral de São Pedro e São Paulo, em Roma. A sé romana reconhece, entretanto, que fragmentos do que se atribui ter sido o corpo de Simão estejam espalhados através da Europa por diversas igrejas, entre as quais São Saturnino, na Espanha, St. Sernin, na França e - até fins da Segunda Guerra Mundial - na capela do mosteiro St. Norbet, em Colônia, na Alemanha, destruída por bombardeios aliados em fins de 1944.
E fato que o universo de informação bíblica e histórica de que dis­pomos sobre Simão Zelote não torna viável um perfil preciso do após­tolo. Por outro lado, a análise das características do grupo político a que pertencia, bem como os lampejos que a tradição eclesiástica lançou sobre suas campanhas missionárias, nos permitem concluir que Simão, após experimentar uma genuína conversão ao evangelho, viu se concre­tizarem em Cristo Jesus — se bem que sob uma nova perspectiva — to­dos os anseios de liberdade e justiça pelos quais, outrora, destemidamente arriscara a vida. Diante dessa nova e transformadora realidade, Roma já não significava mais o inimigo a ser vencido. Cingido de toda armadura de Deus (Ef 6.13), sua luta não mais seria contra a carne ou sangue, porém contra principados e potestades espirituais da maldade que reinam nos ares. Suas palavras mais veementes não se des­tinariam aos invasores romanos, mas à iniqüidade e injustiça de seus dias, das quais tornou-se um zeloso opositor. John D. Jones registra a turbulenta revolução interior que mudou as diretrizes e ampliou os ho­rizontes do revolucionário zelote (op. cit, p.l 12).

"Quando Simão tornou-se discípulo de Jesus, não deixou de ser um patri­ota. Todavia, seu patriotismo assumiu contornos mais nobres e profundos. Sob os ensinamentos de Jesus, Simão percebeu que o grande poder escravizador na Palestina não era Roma, mas o pecado. Eis assim que, lançando para longe de si a adaga e a lança, Simão tornou-se um pregador do Evangelho de Jesus Cristo."

Somente os anais celestiais poderão revelar quanto sangue inimigo foi poupado com a conversão do sedicioso Simão Zelote. Tendo a violência de sua ideologia desmoronado ante a pregação e o testemunho do manso Galileu, Simão passou a conceber a liberdade como uma conquista muito além do conceito judaico de banir o dominador e resgatar a prosperidade de Israel. Para o novo Simão, liberdade tornou-se sinônimo de servir Aquele ante quem todo joelho se dobrará e toda língua confessará Sua majestade (Fl 2.10-11)!
Portando a mensagem de Cristo até os confins da Terra, o apóstolo abra­çou uma "revolução", diametralmente oposta àquela que experimentara como zelote. Agora, os inimigos deveriam ser amados, os amaldiçoadores abençoados e os perseguidores alimentados. Mas, acima de tudo e parado­xalmente, nesse novo embate os vencedores seriam, por vezes, aqueles que tombariam ante o furor da espada opositora.
A bravura forjada pelos perigos da vida zelote e o espírito restaurado pela fé em Cristo produziram em Simão um ardoroso missionário que vislumbrou o mundo de seu tempo como uma imensa oportunidade de combater o bom combate da fé (l Tm 6.12), como finaliza John D. Jones (op. cit, p. 113).

"Encontramos o verdadeiro patriota não no Simão de antes, mas no Simão de depois de Cristo. Não no inimigo jurado de Roma, mas no devotado adversário do pecado. Este é, pois, o mais belo e elevado patriotismo, aquele que diligentemente busca libertar uma nação de suas transgressões."

FONTE: Doze homens e uma missão / Aramis C. DeBarros. - Curitiba : Editora Luz e Vida, 1999.

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